Encalhados na Páscoa ou navegando neste mar?
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Prisão de Páscoa não é, digo-te...
Sou muito inculto, já o sabes, e ingénuo também, reconheço-o, mas nisto de cadeias até nem sou totalmente ignorante. Eu e muitos outros que por força das circunstâncias travaram conhecimento com uma quarentena sem vírus. Nas cadeias há, grosso modo, dois tipos de especialistas: os que estão lá dentro e não podem sair e os que estão lá fora para não deixarem sair quem foi confinado. Detido. Preso. Encarcerado. Cativo. Enclausurado. Cangado.
Sobretudo quando o isolamento se passa em países de pensamento único e a prisão (também) serve para encerrar quem não se comporta como a ideologia no poder quer, exige e impõe. E quando se pertence a esta categoria de encalhado não se pode andar por aí a vadiar Internet fora. Ai! Isso não. Nem sequer ouvir rádio, nem telefonar aos amigos ou planificar sessões de WhatsApp com filhos e netos. Ou teletrabalho. Ou fazer amor à companheira... ou companheiro é conforme (se viveres com ele ou com ela). Nem receber e oferecer ovos de Páscoa...
Os esbirros dos caudilhos que aferrolham com estrondo trancas de ferro de portas de aço não o fazem para salvar contaminados. É que eles temem a infecção das ideias dissidentes. É para se salvarem a eles próprios e aos da sua laia. Não é para te salvar a vida, repito. Ai! Isso não. Afianço-te. Às vezes até é para que te aconteça o oposto.
Por isso não digas que te sentes como numa cadeia porque não estás numa delas, juro-te. Olha... Podes cozinhar coisas boas e ir às compras. Podes comprar chocolates de Páscoa em forma de ovos. É-te permitido chocalhar o gelo de um copo de uísque e abrir um tinto velho. Como ninguém te requisitou a biblioteca à procura de livros malditos, é-te permitido escolher uma obra e lê-la. Podes encher a banheira e mergulhar num banho de imersão com uma cerveja IPA na mão e na outra os quadradinhos da Balada do Mar Salgado, de Hugo Pratt, navegando aventuras em companhia de Corto Maltese e do vicioso Rasputine. Podes sentar-te num aparelho e remar para fazer exercício enquanto deslizas sobre uma baía imaginária...
E o mais importante de tudo. Podes abrir as portas... Por dentro!
Porque o preso não possui chaves nem Páscoa. Por definição uma cadeia é um lugar onde as celas só possuem uma porta com uma fechadura que fica do lado de fora. E esse é o aspecto essencial que distingue a casa onde vives da prisão onde outros, neste momento, estão detidos, presos, encarcerados, cativos, enclausurados, cangados...
Ilustrando com exemplos que vivi de perto? Primeiro caso: alguns presos tentaram fugir de uma dessas masmorras de caudilho e foram capturados. Segundo caso: ontem, na minha cidade, a polícia encontrou num parque cidadãos que, devido à quarentena, não tinham o direito de ali estar. Desenlace: Os primeiros apanharam, e digo-o em português vigoroso, uma carga de porrada à coronhada e paulada que lhes ficou na memória (e nos ossos); Os segundos foram educadamente enviados para casa com uma multa de oitocentos e tal dólares no bolso.
Não, não digas que estás na prisão... Nem que seja por respeito àqueles que, em países onde a epidemia é feita de intolerância e repressão, foram detidos... presos... encarcerados... cativos... enclausurados... cangados...
Maltratados!
Pensa neles porque estás livre... Faz teletrabalho. Mergulha num banho, lê, abre o rádio, ouve os teus álbuns preferidos, vai às compras (respeitando os critérios de protecção), apanha sol, degusta um copo de uísque velho com gelo, prepara um arroz de mariscos... Ri-te com amigos, filhos e netos pelo WhatsApp... Toca piano ou órgão se o sabes fazer... Fotografa a primavera... Cria uma rotina, é importante...
Prisão é outra coisa... Garanto-te!
LIVROS ASSINADOS PELO AUTOR DO BLOGUE
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Do site (com a devida vénia): FEE Foundation for Economic Education |
Prisão de Páscoa não é, digo-te...
Sou muito inculto, já o sabes, e ingénuo também, reconheço-o, mas nisto de cadeias até nem sou totalmente ignorante. Eu e muitos outros que por força das circunstâncias travaram conhecimento com uma quarentena sem vírus. Nas cadeias há, grosso modo, dois tipos de especialistas: os que estão lá dentro e não podem sair e os que estão lá fora para não deixarem sair quem foi confinado. Detido. Preso. Encarcerado. Cativo. Enclausurado. Cangado.
Sobretudo quando o isolamento se passa em países de pensamento único e a prisão (também) serve para encerrar quem não se comporta como a ideologia no poder quer, exige e impõe. E quando se pertence a esta categoria de encalhado não se pode andar por aí a vadiar Internet fora. Ai! Isso não. Nem sequer ouvir rádio, nem telefonar aos amigos ou planificar sessões de WhatsApp com filhos e netos. Ou teletrabalho. Ou fazer amor à companheira... ou companheiro é conforme (se viveres com ele ou com ela). Nem receber e oferecer ovos de Páscoa...
Os esbirros dos caudilhos que aferrolham com estrondo trancas de ferro de portas de aço não o fazem para salvar contaminados. É que eles temem a infecção das ideias dissidentes. É para se salvarem a eles próprios e aos da sua laia. Não é para te salvar a vida, repito. Ai! Isso não. Afianço-te. Às vezes até é para que te aconteça o oposto.
Por isso não digas que te sentes como numa cadeia porque não estás numa delas, juro-te. Olha... Podes cozinhar coisas boas e ir às compras. Podes comprar chocolates de Páscoa em forma de ovos. É-te permitido chocalhar o gelo de um copo de uísque e abrir um tinto velho. Como ninguém te requisitou a biblioteca à procura de livros malditos, é-te permitido escolher uma obra e lê-la. Podes encher a banheira e mergulhar num banho de imersão com uma cerveja IPA na mão e na outra os quadradinhos da Balada do Mar Salgado, de Hugo Pratt, navegando aventuras em companhia de Corto Maltese e do vicioso Rasputine. Podes sentar-te num aparelho e remar para fazer exercício enquanto deslizas sobre uma baía imaginária...
E o mais importante de tudo. Podes abrir as portas... Por dentro!
Porque o preso não possui chaves nem Páscoa. Por definição uma cadeia é um lugar onde as celas só possuem uma porta com uma fechadura que fica do lado de fora. E esse é o aspecto essencial que distingue a casa onde vives da prisão onde outros, neste momento, estão detidos, presos, encarcerados, cativos, enclausurados, cangados...
Ilustrando com exemplos que vivi de perto? Primeiro caso: alguns presos tentaram fugir de uma dessas masmorras de caudilho e foram capturados. Segundo caso: ontem, na minha cidade, a polícia encontrou num parque cidadãos que, devido à quarentena, não tinham o direito de ali estar. Desenlace: Os primeiros apanharam, e digo-o em português vigoroso, uma carga de porrada à coronhada e paulada que lhes ficou na memória (e nos ossos); Os segundos foram educadamente enviados para casa com uma multa de oitocentos e tal dólares no bolso.
Não, não digas que estás na prisão... Nem que seja por respeito àqueles que, em países onde a epidemia é feita de intolerância e repressão, foram detidos... presos... encarcerados... cativos... enclausurados... cangados...
Maltratados!
Pensa neles porque estás livre... Faz teletrabalho. Mergulha num banho, lê, abre o rádio, ouve os teus álbuns preferidos, vai às compras (respeitando os critérios de protecção), apanha sol, degusta um copo de uísque velho com gelo, prepara um arroz de mariscos... Ri-te com amigos, filhos e netos pelo WhatsApp... Toca piano ou órgão se o sabes fazer... Fotografa a primavera... Cria uma rotina, é importante...
Prisão é outra coisa... Garanto-te!
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© Carlos Taveira
LIVROS ASSINADOS PELO AUTOR DO BLOGUE
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Assim Escrevia Bento Kissama, Romance, Português, Guerra e Paz, Editores, Lisboa, Portugal, 2019, 296p, ISBN: 9789897024764
São Paulo, Prisão de Luanda, Memórias, Português, Guerra e Paz, Editores, Lisboa, Portugal, 2019, 176p, ISBN 9789897024511
São Paulo, Prisão de Luanda, Memórias, Português, Guerra e Paz, Editores, Lisboa, Portugal, 2019, 176p, ISBN 9789897024511
Mateus da Costa e os trilhos de Megumagee, Romance, Português,
Texto Editores, Lisboa, Portugal, Lisboa, 2006, 319p, ISBN : 9789724731452
La traversée des mondes, Roman, Français
Les Éditions L'Interligne, Ottawa, 2011, 576p, ISBN 978-2-89699-392-5
Mots et marées, Roman, Français
Les Éditions L'Interligne, 2014, 560p, ISBN 978-2-89699-392-5.
De la racine des orages, Poésie, Français.
Les Éditions L'Interligne, 2014, 186p, ISBN 978-2-89699-404-5
Mots et marées tome 2, Roman, Français
Les Éditions L'Interligne, 2015, 186p, ISBN 978-2-89699-404-5
A Feather for Pumpkin, Fiction, English
Create Space, 2016, 186p, ISBN-10: 1519662505, ISBN-13: 978-1519662507
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Por acaso, enquanto lá estivemos, cá por fora ocorreram uma epidemias sanitárias que não nos atingiram (febre amarela, cólera).
ReplyDeletePorque terá sido? Acharam que já tínhamos a nossa conta? O sistema sanitário prisional era melhor que o da generalidade da população (provável)? Os vírus não se metem em política?
Abraço