Saturday 2 January 2021

Quo Vadis Covid-19 ?

Onde se revela um efeito secundário das vacinas 

Cuidado com as vacinas. França, 1800, Autor desconhecido.
Caricatura a propósito da epidemia da varíola.


Quo Vadis Covid-19? Ora então, ela há-de desaparecer depois de ter oferecido à humanidade uma bela oportunidade para se redimir, reflectir e, sobretudo, ler romances e poesia... Falhou! Haja esperança... As vacinas vão tentar completar o trabalho!
    É a propósito delas que te falo hoje. Não te posso revelar a fonte, é confidencial, mas fiquei a par de certos efeitos secundários das vacinas que a maior parte dos humanos espera. Estou perfeitamente ciente que uma outra (e considerável) parte rejeita-as por causa dos efeitos secundários prováveis, possíveis e imaginários como os chips implantados no sangue, produzidos e financiados por uma vasta rede de cabalas satânicas: organização mundial dos pedófilos, estado profundo, tecnologia 5g, empresa Dominion, socialistas, comunistas radicais, Soros, Hillary, Gates, Hanks e outros da mesma cepa. Alegações que têm sido inteligentemente (e cientificamente) demonstradas pelos seguidores daquele loiro esquisito (o americano, esqueci-me do nome...) que perdeu as eleições graças às supracitadas (e tenebrosas) instituições. 
    Apercebem-se, no entanto, luzes cintilando na escuridão como a que nos chega da mais poderosa nação da América do Sul que se encontra, felizmente (e finalmente), em boas mãos. O iluminado que a dirige, moreno tropical, ex-militar destemido, refinado e brilhante (esqueci-me do nome, é aquele que fala de hemorróidas durante as reuniões ministeriais) já declarou publicamente que se vai opor à nova e esquerdista administração do tio Sam. Utilizando pólvora se necessário for! Com o desassombro descomplexado que o caracteriza, o Einstein tropical em questão previne que, ao sermos vacinados, corremos o risco de, e cito: «[...] virar um chimpanzé, [...] um jacaré, [...] super-homem [...] nascer barba em alguma mulher [...]» Conhecendo o elevado QI do animal político em questão (e de seus seguidores e eleitores), não é advertência a menosprezar.
    Ora, meu kamba, é aqui que me sinto embatucado porque, segundo minhas fontes confidenciais, há um efeito secundário não desvendado. E embatucado porquê, perguntar-te-ás. É que nenhum repórter por ele se interessou, nenhum eleito nem partido político, nenhuma direcção da saúde pública, governo ou instituição cultural. Não garanto que a vacina russa ou chinesa produza o mesmo efeito, os poderosos à cabeça dessas potências nem sequer vieram a público entregar o ombro imperial à frágil seringa. Preferem imunizar-se contra a influência dos demónios ocidentais e suas democracias ruins e corruptas. 
    Estamos, portanto, perante quatro produtos investidos da bíblica missão de salvar a humanidade. Dois deles (Pfizer e Moderna) posicionaram-se no stock market, permitindo-te embolsar kumbu se fores pessoa de investimentos. Os demais, todavia, foram segregados por muitas das nossas democracias, cuja liberdade não chega ao ponto de no-los deixar escolher. Quanto aos temidos efeitos secundários, há nuance: entre nós homens verifica-se uma preferência pela Moderna, convencidos que uma empresa que criou o Viagra maquinou efeitos secundários capazes de animar o quotidiano maçudo do confinamento. 
    Voltemos ao cerne deste artigo, a tal grande revelação. Preparem-se, aí vai: As duas vacinas criadas no mundo ocidental estimularão o interesse por géneros literários maltratados pelos leitores deste mundo, o romance e a poesia! Contra os quais tanta gente parece estar vacinada.
    Estou consciente que muitos dos frequentadores de redes sociais ficaram desiludidos com esta declaração, eles esperavam um furo jornalístico, uma espécie de anúncio espectacular, uma bomba mediática como fazem os seres de luz investidos da augusta missão antivacina. Mas não... Desculpa-me este anticlímax, o desencanto que provavelmente sentes, meu kamba, afinal até tens razão: quem é que se interessa por romances e poesia? Só os velhos como eu, habituados a ler inutilidades como Os Maias, Capitães da Areia, Memorial do Convento, Os irmãos Karamazof, Madame Bovary, O Velho e o Mar, O Retrato de Dorian Gray, Dom Quixote, Cem Anos de Solidão, As Flores do Mal, Livro de Sóror Saudade, etc, etc, etc. 
Compreendo mesmo a cólera de alguns leitores, porque a pergunta é pertinente e urgente: Quem diabos teve essa maldita ideia de estimular o interesse por romances e poesia através das vacinas? Sobretudo quando é sabido que uma fatia importante dos escritores de sucesso foi amamentada pelo seio esquerdista da mãe literatura. Senão vejamos, o mundo editorial, sempre aberto a um livro a sangrar com vivências horríveis em prisões, descrevendo torturas ignóbeis e execuções pela calada da noite, não te abre o postigo quando lhes bates à porta com um romance ou, pior, recolha poética nas mãos. 
    Olha-me eu para aqui com lamúrias e até tive sorte, sou um mal-agradecido: não é que um editor extravagante (maluco?) se encheu de coragem e lançou uma produção saída da minha pobre imaginação para o lago pouco profundo dos leitores de romances? Foi há dois anos, num lançamento com muitos amigos, muita compra e alguns repórteres... E depois? Depois, a quase totalidade dos livros ficou languidamente pousada nas prateleiras das livrarias. 
    Sejamos, porém, modestos e digamos que este romance não terá merecido a atenção da crítica nem do grande público por ser provavelmente fraquinho apesar do seu volume. E os outros autores? Os milhares que são quotidianamente preteridos em favor das obras dos conspiracionistas e cavadores de escandaleiras? É claro que podes arcar tu próprio com as despesas de produção da tua obra, contudo, e mesmo não sendo profeta ou astrólogo, não lhe entrevejo um brilhante futuro se for romance ou poesia. A menos que possuas um nome que seja uma chancela que se vende por si próprio. Por isso o lobby ao qual pertenço conseguiu esta aparente vitória: convencer os fabricantes de vacinas a criarem um efeito secundário pró romance e poesia. 
Quo vadis Covid-19? Não sei, mas tenho o sentimento que não há-de calcorrear as linhas estreitas (às vezes profundas) do romance. Olha meu kamba, dado que o meu moto é «O fracasso só acontece com a renúncia», vou colocar os meus romances em dieta, emagrecê-los até os reduzir ao tamanho de um ecrã de telemóvel. Faz o mesmo com a tua poesia.

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© Carlos Taveira

LIVROS ASSINADOS PELO AUTOR DO BLOGUE
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Assim Escrevia Bento Kissama, Romance, Português, Guerra e Paz, Editores, Lisboa, Portugal, 2019, 296p, ISBN: 9789897024764 

São Paulo, Prisão de Luanda, Memórias, Português, Guerra e Paz, Editores, Lisboa, Portugal, 2019, 176p, ISBN 9789897024511 

Texto Editores, Lisboa, Portugal, Lisboa, 2006, 319p, ISBN : 9789724731452

La traversée des mondes, Roman, Français
Les Éditions L'Interligne, Ottawa, 2011, 576p, ISBN 978-2-89699-392-5

Mots et marées, Roman, Français
Les Éditions L'Interligne, 2014, 560p, ISBN 978-2-89699-392-5.

De la racine des orages, Poésie, Français.
Les Éditions L'Interligne, 2014, 186p, ISBN 978-2-89699-404-5

Mots et marées tome 2, Roman, Français
Les Éditions L'Interligne, 2015, 186p, ISBN 978-2-89699-404-5

A Feather for Pumpkin, Fiction, English
Create Space, 2016, 186p,  ISBN-10: 1519662505, ISBN-13: 978-1519662507

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