Wednesday 22 March 2017

O osso do Bonobo

Onde se fala de sexo, mitos e augúrios evolucionistas
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Source -> Phys.Org https://phys.org/news/2016-03-sex-evolve-prof-laurence-hurst.html

Mau grado a minha assumida ignorância, sempre me considerei (até há uns dias) particularmente avisado sobre as coisas do sexo. Aquando da minha adolescência era muito bem visto alardear conhecimentos a propósito, sendo também de bom tom exibirmos um livro de sexologia assinado Fritz Kahn, divulgador científico alemão. Acontecia que alguns pais (desnorteados com a ausência de Internet) ofereciam a obra em questão aos filhos púberes, evitando covardemente «aquela conversinha» embaraçosa. Fiquei assim informado sobre o essencial do processo reprodutivo: 1, órgãos genitais masculinos e femininos; 2, cópula; 3, fecundação; 4, gestação; 5, nascimento; 6, fraldas.

Fritz Kahn era omisso sobre este último ponto, completemos a sua obra: as fraldas podem ser descartáveis ou de pano. E como sei que não vais contar isto aos teus amigos ecologistas, faço-te uma confidência: passei pelas duas experiências (como operador de fraldas) e quanto a mim a primeira escolha revelou-se espiritualmente mais pura, saneando a peça onde a recém-nascida esperneava, sorridente, de rabinho ao léu. A segunda opção foi-me imposta pelas carências do país onde vivia, é sabido que a guerra tudo leva (embora não lave), mesmo as fraldas descartáveis. Viva a paz! Provavelmente inspirado pelo Fritz, e para me armar em letrado nas reuniões sociais, acontece-me comprar revistas de divulgação científica. Foi o que fiz no mês passado, atraído por um dos títulos de um magazine francês que desfolhei ao acaso: Sciences et Avenir, número 188, de Janeiro 2017. Meu, nunca o deveria ter comprado: o artigo, desenvolvido por um tal Pierre-Henri Gouyon, provocou-me pesadelos que perduram até hoje e que me levam a desabafar contigo. 

Explico-me...

Segundo os sábios evolucionistas, mãe Natureza imaginou bastas maneiras de perpetuar as espécies, todavia a que nos interessa aqui é a reprodução sexuada acima resumida. Neste caso, e independentemente do animal, o inconsciente associa prazer e reprodução o que constitui, fundamentalmente, uma esparrela: Natureza lança um sopro de feromonas, macho e fêmea entreolham-se, sorriem, não resistem ao apelo dos sentidos, caem na tentação... E pronto, a espécie perpetua-se! Ademais, explicam os tais científicos que o Homo Sapiens Sapiens, com aquela mania de exagerar no consumo do que é bom, conseguiu separar esses dois elementos associados: o anseio de produzir filharada e o acoplamento, deteriorando o elo entre prazer e reprodução. Por outras palavras, hoje em dia o prazer sexual não conduz necessariamente à reprodução, sendo o inverso verdadeiro – para nos reproduzirmos, não necessitamos de cair em tentações carnais. O prazer sexual torna-se autónomo, invade os terrenos da menopausa e mesmo da velhice, aí estão, para o provar, muitos idosos assaz capazes que, mesmo se não podem procriar, não se privam do regalo que a reprodução procura nove meses antes das fraldas. E no caso de experimentarem algumas dificuldades técnicas, acode a indústria farmacêutica que, alerta, lhes dá uma mãozinha em troca de uns cobres. Esse regozijo contribui igualmente para um florescente comércio do prazer, legal e (ou) ilegal dependendo das sensibilidades éticas e (ou) religiosas das comunidades. 

Mas...

Pierre-Henri, evolucionista dado a projecções científicas alarmistas, diz-nos ainda que a emancipação do prazer pode trazer consequências calamitosas a longo prazo (quer dizer dentro de dezenas de milhares de anos). Libertando o deleite da procriação, há a possibilidade de ver o Homo Sapiens Sapiens tornar-se, como se verifica noutras espécies... hermafrodita! Conclusão implícita: um dos sexos será eliminado. E quem pensas tu que Natureza vai suprimir: a mulher, delicada, linda, misteriosa, provida de órgãos reprodutores complexos a quem foi confiada a missão da gestação; ou o homem, bruto, feio, apetrechado dum grosseiro aparelho genital que contribui com uma ridícula semente, tão débil que se vê obrigado a produzir milhões, rezando para que uma delas sobreviva? Estás mesmo a ver, não estás? 

Cruzes, credo, canhoto!

Nessa mesma revista de mau augúrio fala-se de uma estranha criatura que vive em terras do Congo: o Bonobo. É uma espécie de chimpanzé considerado como o primata mais feliz de todos os tempos (apesar de se encontrar na triste lista dos animais em vias de extinção). Aquilo é sorrisos, bocejos, sonecas, brincadeiras e carícias, as crianças são alvo dos mimos ternurentos da parte dos adultos e adultas que mantêm, entre eles, uma espantosa actividade copulativa. Nas comunidades Bonobo é a esbórnia. Pretendendo alguns entendidos que o alívio da tensão sexual permitiu-lhe tornar-se no símio mais cool do planeta, uma pergunta saltou-me imediatamente ao espírito: como é que o raio do bicho consegue aguentar erectas as condições objectivas necessárias à perpetuação dessas orgias? A resposta encontrei-a num curto excerto da página 56 da supracitada revista: «[…] Bonobo possui um osso peniano». Sortudo, o raio do macaco, hã? Vai daí, a ciumeira despoletou uma segunda pergunta no meu frágil cérebro: porque é que Natureza se mostrou injusta connosco, machos da espécie Homo Sapiens Sapiens, privando-nos dum precioso apêndice de manifesta utilidade? E como não há duas perguntas sem três: será que o perdemos em caminho? Desfolhemos a revista antes de voltarmos ao osso perdido. 

Na página 81 do mesmo Sciences et Avenir, um denominado Heinz Wismann fala de mitos. Diz o sábio que o mito «procura estabelecer um elo entre os fenómenos que afligem o humano e o jogo de forças que o provocam». Em claro: inventamos lendas para coisas que não conseguimos explicar. Lembrei-me logo da costela de Adão, aquele que – reza o livro – foi despejado do paraíso. Peço-te perdão se acreditas textualmente na Bíblia, para mim há por lá alguns mitos ocultando realidades a descodificar, é culpa do Heinz Wismann se fiquei desconfiado. Por conseguinte construí algumas hipóteses de trabalho. E se tivesse sido outro – e não a costela – o osso que Adão perdeu? E se tivesse sido o báculo, nome científico do tal apêndice ósseo que tanto regozija o raio do Bonobo? E se o paraíso de Adão e Eva fosse meramente a evocação mítica, enraizada na memória genética colectiva, de uma era de plenitude: aquela em que os varões Homo Sapiens Sapiens nada tinham a invejar ao raio do Bonobo?

Porque estás de acordo comigo, não estás? O impacto dessa perda seria trágico, independentemente do motivo que, seguindo a mesma lógica, se encontraria num eventual abuso (leia-se vício) no consumo do «fruto proibido». Desse jeito se explicariam as taras sexuais perversas e comportamentos criminosos que infestam principalmente o homem, cuja auto-estima tanto depende da sua virilidade  obsessão geradora de tanto desequilíbrio, insegurança e violência. Há quem diga que a horrorosa repressão sofrida pela mulher, as humilhações e agressões várias que tem suportado, a subserviência em que o homem a mantém um pouco por todo o lado, têm origem na fragilidade masculina. Encaremos a realidade: salvo raras excepções, o homem é o agressor, mesmo quando é o homem o agredido. 

E se tanto infortúnio vem de um ossinho perdido… Companheiros, há que recuperá-lo!

Tarefa difícil, concordo. Eis-nos, desossados, enfrentando uma possível exterminação: um sexocídio, passe o neologismo. Todavia, e mau grado a tendência que nos desfavorece, sejamos positivos. Será que o vapor da evolução pode ser invertido, restabelecendo-se o elo entre reprodução e prazer sexual? Levaria milhares de anos, seria um osso duro de roer, mas, como diz um provérbio tuaregue : no fim da paciência, espera-nos o céu. Quer dizer, a reconquista do paraíso perdido. Vamos tentar? Na verdade temos uma enorme vantagem em relação ao raio do Bonobo: não estamos em vias de extinção 

Ao abordar este assunto delicado, mergulhei numa profunda reflexão que me levou a considerar outras eventuais transformações na morfologia do Homo Sapiens Sapiens. E se Natureza, mãe das correntes evolucionistas, desiludida com os homens corruptos que nos dirigem e com eleitores que os levam ao poder, frustrada com a nossa impotência perante os gigantes financeiros que, quais buracos negros, nos aspiram coragem e vontades, inteligência e energias… E se mãe Natureza, como dizia, perante a falta de verticalidade da nossa raça, dita humana, para lá do báculo que nos subtraiu, tivesse iniciado o processo de nos privar da espinha dorsal, metamorfoseando-nos numa espécie rastejante, idêntica à serpente mitológica?

Que o Diabo seja surdo, cego e mudo!



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© Carlos Taveira

LIVROS ASSINADOS PELO AUTOR DO BLOGUE
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Texto Editores, Lisboa, Portugal, Lisboa, 2006, 319p, ISBN : 9789724731452

La traversée des mondes, Roman, Français
Les Éditions L'Interligne, Ottawa, 2011, 576p, ISBN 978-2-89699-392-5

Mots et marées, Roman, Français
Les Éditions L'Interligne, 2014, 560p, ISBN 978-2-89699-392-5.

De la racine des orages, Poésie, Français.
Les Éditions L'Interligne, 2014, 186p, ISBN 978-2-89699-404-5

Mots et marées tome 2, Roman, Français
Les Éditions L'Interligne, 2015, 186p, ISBN 978-2-89699-404-5

A Feather for Pumpkin, Fiction, English
Create Space, 2016, 186p,  ISBN-10: 1519662505, ISBN-13: 978-1519662507


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