Wednesday 21 March 2018

Navegações flibusteiras e Imperiais

Dos piratas, dos impérios e dos imperadores

«...e porque hoje é terça» Fotografia da minha prima Margarida Araújo 
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«[...] que são, na verdade, os reinos senão grandes quadrilhas de ladrões? [...] Foi o que com finura e verdade respondeu a Alexandre Magno certo pirata que tinha sido aprisionado. De facto, quando o rei perguntou ao homem que lhe parecia isso de infestar os mares, respondeu ele com franca audácia: 'O mesmo que a ti parece isso de infestar todo o mundo; mas a mim, porque o faço com um pequeno navio, chamam-me ladrão; e a ti porque o fazes com uma grande armada, chamam-te imperador'» (1).
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Afoito, o pirata, hã? Santo Agostinho, que nos conta esta história, não diz o que aconteceu ao salteador, mas, conhecendo os imperadores, é lícito deduzir que não morreu de velhice. E é bem possível que tenha ido desta para melhor a meio de sofrimentos cruéis dado que a tortura era nesses tempos, como o é hoje, permitida, e os carrascos dessas épocas, assim como os modernos, não enfrentavam a justiça... Contudo, sejam piratas ao timão de ferros velhos ou almirantes ao comando de frotas imperiais, todos eles apontam as proas para mares sem horizontes, os primeiros pilhando incautos, os segundos submetendo povos e nações, sugando-lhes as vastas riquezas.

Já que falamos de mar e barcos... Se nasceste diante da vastidão dos oceanos, houve dias em que te sentaste na areia da praia e te quedaste meditabundo diante daquela linha que se instalou entre águas e firmamentos desde que o mar é mar e o céu é céu. Sonhei, numa bela noite de Inverno, que essa linha representava a fronteira entre este mundo e o outro e que só se trespassava uma vez. Contudo, quando, acordados e em busca de respostas, a perseguimos a bordo de qualquer coisa que flutue e navegue, chegamos à conclusão que é fronteira virtual, limitando quem não teve a curiosidade de tentar atravessá-la. Porque assim são muitas das fronteiras que os imperadores levantam, dividindo o planeta entre eles, em reuniões de cúpula e cimeiras civilizadas. E quando não chegam a acordo, empregam uma táctica comprovada, põem-se a fazer guerras em terras alheias para não escangalharem as deles.

Céus... Estou tão sério, hoje!

É porque ando inquieto. Disseram-me que há por aí gente poderosa à cabeça de superpotências que, para intimidar eventuais inimigos, atafulham de bombas atómicas os arsenais dos respectivos exércitos. Cruzei logo os dedos, esperando que fosse um desses boatos que congestionam as redes sociais. Como ando sempre a leste daquilo que se passa a oeste, desnorteio-me e, dado que sou desconfiado como todos os ignorantes, fui vasculhar notícias e artigos, análises e arquivos, para fazer uma ideia sobre os impérios que dominam os nossos oceanos. Como sabes sou de compreensão lenta e levei muito tempo nestas pesquisas, mas não desisti, a persistência compensa-me a inocência. E, imagina, depois de muito contar pelos dedos para me certificar, encontrei três! Mas não te desvendo os nomes, é segredo, tenho medo que os espiões imperiais leiam este blogue, e o coloquem, sobretudo o meu nome, numa lista negra. 

É porque, modéstia à parte, acho que tenho algumas semelhanças com o salteador marinho da história do Santo Agostinho, mas sem bravura nem crueldade. Tal como o dito flibusteiro, navego num barco solitário, não-alinhado, que pesca em vez de abordar presas, tentando aproximar-se daquele horizonte sumiço onde se escondem terras prometidas e respostas a tudo. Um dia hei-de atravessá-lo, acontece-nos a todos e, como todos os outros antes de mim, não regressarei para contar o que descobri. Mas olha, às vezes até se aprende com marinheiros veteranos que andaram lá perto. Sei-o porque, durante esta vida de inapto navegador que ventos e correntes mareiam facilmente, fui convidado a bordo de navios governados por navegadores de mar alto, homens ou mulheres conhecedores das profundidades marinhas por muito as terem sondado. Mau aluno, retive pouco do muito que me ensinaram, o suficiente porém para reconhecer quais as naves governadas pelos sábios que enfrentam, com a mesma galhardia, ventos contrários ou de feição. Alguns desses capitães de longo curso já atravessaram a linha do horizonte, deixando, à ré dos navios, sulcos profundos doirados pelos poentes e esteiras largas onde marulham fragmentos de sabedoria que continuam a inspirar-me.

Mas que coisa... Continuo tão sério... Estava a falar de quê?

Ah, já sei... Antes de cair na melancolia, perorava sobre os três impérios que as minhas explorações descobriram... E sabes o que é que me deixa intrigado? Que há 2,300 anos um simples pirata e há 1,600 um santo, tenham compreendido a natureza dos impérios enquanto hoje há quem defenda um deles contra os outros dois. Tu, que és pessoa instruída, és capaz de me explicar a diferença entre eles? Porque, vistos da minha praia, todos eles possuem frotas imensas, exércitos de espanto, espiões aos milhares e fábricas de bombas atómicas. Tudo isto governado por homens implacáveis que, mesmo quando ridículos, não deixam de ser perigosos com aquela mania de fazerem guerras interpostas que já esburacaram nações onde muitos de nós nasceu. Três impérios revolvendo o mundo à cata de terras, ouro e petróleo, dizia eu? Esquisito... Não faço ideia por que razão, mas veio-me ao espírito aquele western spaghetti, hoje um clássico do cinema: «O Bom, o Mau e o Vilão». Viste? Conta as aventuras de três aventureiros que, assanhados pela cobiça, percorrem o mundo deles, matando e torturando à esquerda e à direita, na perseguição desenfreada de um tesouro escondido. E o duelo final... Lembras-te? Uma obra-prima! Três pistoleiros, olhos de águia, atentos, que se vigiam, mãos roçando as coronhas dos seis-tiros, prontos a sacar e matar outra vez. Tudo aquilo por causa de um magote enterrado num cemitério, a meio de um mar de cadáveres.

Optimista esse Sérgio Leone, não achas? Havia um Bom naquele trio.

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(1) Santo Agostinho, A cidade de Deus. Tradução, prefácio, nota biográfica e transcrições de J. Dias Pereira.
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© Carlos Taveira

LIVROS ASSINADOS PELO AUTOR DO BLOGUE
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Texto Editores, Lisboa, Portugal, Lisboa, 2006, 319p, ISBN : 9789724731452

La traversée des mondes, Roman, Français
Les Éditions L'Interligne, Ottawa, 2011, 576p, ISBN 978-2-89699-392-5

Mots et marées, Roman, Français
Les Éditions L'Interligne, 2014, 560p, ISBN 978-2-89699-392-5.

De la racine des orages, Poésie, Français.
Les Éditions L'Interligne, 2014, 186p, ISBN 978-2-89699-404-5

Mots et marées tome 2, Roman, Français
Les Éditions L'Interligne, 2015, 186p, ISBN 978-2-89699-404-5

A Feather for Pumpkin, Fiction, English
Create Space, 2016, 186p,  ISBN-10: 1519662505, ISBN-13: 978-1519662507


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