Wednesday 17 January 2018

Abelhas e abelhudos

Do mel das abelhas e do zunzum dos abelhudos
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Matt McKee. - «Honey Doo», 2016 / Mckeephotography.com. Citado por Le Monde Diplomati, Dezembro, 2017


Sabes o que é me apavora nas abelhas? O ferrão desde que, em garoto e de férias no Algarve, fui picado numa feira de Faro. Felizmente andava pela mão do meu avô que comprou logo uma bagaceira e inverteu o bocal do cálice na picadela, para a desinfectar. Há uns anos voltei a ser ferrado, no quintal cá de casa, desta vez por um pelotão de vespas agressivas de sentinela ao ninho subterrâneo. Lembrando-me da cura do avô, fui à procura de uma boa aguardente na garrafeira. Infelizmente não havia, tive de me contentar com dois conhaques em balão não aquecido, enquanto tratava as ferradelas com produto apropriado.

Falando de abelhas...

Já leste seguramente aquele prognóstico assustador: «Se as abelhas desaparecerem da face da terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de existência». Está por todo o lado nas redes sociais e o augúrio é validado pela foto de quem o teria afiançado: um senhor já idoso, rosto lavrado pelas rugas, cãs, cabelos despenteados e bigode farfalhudo, com ares de sábio. Adivinhaste, é esse mesmo, Albert Einstein, cientista de grande nomeada. E não é porque o homem é defunto que a sua reputação morreu. Mister Google encontrou «cerca de 37,500,000 resultados (0.56 segundos)» em resposta à minha pesquisa «"einstein" "facebook" "twitter"». O augúrio sobre o fim da humanidade deve ser, portanto, sério, dado que, cientista responsável e reconhecido mundialmente, o tal génio ponderava as suas opiniões e nada aventava sem provas matemáticas. Como, por exemplo, a teoria da relatividade de que tanto se fala, assunto no qual não meto o nariz, é demasiado complexo para as minhas meninges atrofiadas. Mas no que respeita às abelhas achei a afirmação duvidosa, o homem nunca se arriscou a percorrer trilhos desconhecidos. E, imagina, nunca foi entomólogo! 

Como para lá de ser ignorante e ingrato sou também desconfiado, armei-me em esperto e fui perguntar a quem sabe destas coisas, senhora dona Internet é claro, onde estão escondidas as provas que permitiram ao distinto génio chegar à terrível conclusão. De clique em clique, lá fui navegando píxeis por esse mundo fora, lendo artigos escritos por pessoas com títulos universitários e pesquisas de outras que, como eu, duvidam de (quase) tudo. Depois de algumas horas deste labor, refastelado no meu cadeirão novo, confortável, com braços e tudo (que me deu uma grande trabalheira a montar), fui obrigado a deitar a toalha ao chão...

É boato! É patranha! É peta! 

Não há nenhum traço que Alberto Einstein, homem que calculava metodicamente antes de aviar conclusões, tenha agoirado tal calamidade. Quem o desmente, entre outros, não é um abelhudo qualquer, é o senhor Roni Grosz, conservador dos Arquivos Albert Einstein da Universidade Hebraica de Jerusalém, numa entrevista concedida ao Gelf Magazine e intitulada «Albert Einstein, Ecologist?» (1). É uma daquelas intrujices que, à força de tanto ser repetida, virou «verdade alternativa». 

E há mais...

A humanidade, segundo especialistas compenetrados, não sumiria com o desaparecimento das abelhas. Que algumas espécies melíferas estão em perigo, é verdade sim senhor, sobretudo nas regiões temperadas do globo: Europa, Japão, América do Norte e América do Sul. Assim reza o artigo (2) que li num mensal extremamente rigoroso com as fontes que cita. E os peritos onde o tal periódico foi beber informação dizem-nos o seguinte, a propósito de uma das causas do declínio das abelhas (a tradução é da minha inteira responsabilidade): «A apanha das flores começava mais cedo e as plantas não eram todas colhidas num curto lapso de tempo. Eram cortadas à mão, com foices, e as abelhas tinham tempo de recolher o pólen e de fugir dos camponeses. Hoje em dia as máquinas aspiram, ao mesmo tempo, flores e abelhas». Olha outro excerto interessante a propósito do Canadá: «Já não há flores nas pradarias canadianas, ceifamos antes da floração para produzirmos duas colheitas de feno a fim de alimentarmos as vacas com feno verde para que produzam mais leite». E os culpados não ficam por aqui, olha três outros. Efeito maligno de pesticidas, parasitas assassinos e este, que provavelmente é novidade para ti como o foi para mim: a água açucarada com que os apicultores alimentam as abelhas, retirando-as dos campos, e da polinização, dado que para a indústria o mel (=lucros) é mais importante do que as flores! Tomando como ponto de comparação o ano de 1960, os especialistas dizem-nos que, grosso modo, os enxames foram reduzidos a 50% nos EUA e a um terço na Europa. Problema adicional: diante destes desafios, há cada vez menos jovens interessados na apicultura. 

Menos má notícia, porém: há seis anos que não se registam quedas, o número de colmeias estabilizou-se: 17 milhões na Europa e 2,6 milhões nos EUA. Quanto à outra treta, que a humanidade desapareceria, os sábios dizem-nos que insectos polinizadores não faltam, como o raio das vespas que me picaram e me obrigaram a procurar conhaque para aliviar a dor. Embora todos estejam de acordo que seria uma tragédia económica e que a mortalidade entre os humanos aumentaria significativamente. E só para chatear Mister Facebook, aqui vão mais duas boas notícias:
1. Na Austrália, graças a um controlo estrito do estado, tudo vai bem.
2. No planeta, a quantidade global de colmeias aumentou desde 1961: passaram de 49 milhões a 83 milhões.
Este aumento constatou-se, segundo o tal artigo, principalmente na África Subsaariana, em países que recentemente foram insultados de shitholes por um certo senhor multibilionário, de penteado esquisito e de linguagem desbragada que chegou a presidente dum desses impérios que (des)governam o mundo. 

Desculpa lá este mau jeito, ter-te rebentado em plena face este balão de Facebook, mas tal é a verdade como dizem, e escrevem, os cientistas deste mundo. Coisa que até me deixou de mau humor porque - confesso-te baixinho, não digas a ninguém - eu também ecoei a tal patranha: «Se as abelhas desaparecerem da face da terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de existência». Para substanciar o que acima foi dito, coloquei, em rodapé, as referências que me instruíram. Infelizmente estão em francês e inglês, não encontrei desmentidos (não quer dizer que não hajam) nesta bonita língua em que escrevo. Sabes outra coisa que me chateia nos abelhudos produtores de patacoadas? Aquela mania de enxamearem as nossas caixas de correio com pseudo-notícias, acompanhadas de instruções precisas de como as partilhar com os amigos. Zunzuns sem ferrão, é verdade, mas sem verdades nos zunzuns.

Não sei quantas falsas notícias correm por essa Internet fora. Mas sei que, encabeçadas por títulos pavorosos («Se as abelhas desaparecerem...») ou de causar indignação («Corte suprema do Canadá legaliza sexo com animais»), há um enxame de abelhudos a desenvolver zunzuns que os incautos, aterrados ou indignados com os títulos (raras vezes lêem os artigos), reencaminham, com cliques nervosos de rato, para todos os seus contactos. Atraindo, é claro, um chorrilho de comentários bastas vezes assaz deselegantes. A propósito, confio-te um truque que alguém partilhou comigo: quando o expedidor te explica como enviar uma mensagem abrangendo a lista completa dos teus amigos... Desconfia! É um sinal forte que a dita mensagem é zunzum de abelhudo, não é mel de abelhas.

Porque abelhas e abelhudos são grandes polinizadores, um de flores, o outro de pataratas.

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(1) Vincent Valk, Albert Einstein, Ecologist? Guelf Magazine, 25 Dezembro de 2017
(2) Raúl Guillén, Ce que les abeilles murmurent à l’oreille des humains, Le Monde Diplomatique, Paris, décembre 2017. p 22-23
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A propósito das abelhas. Referências online: 

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© Carlos Taveira

LIVROS ASSINADOS PELO AUTOR DO BLOGUE
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Texto Editores, Lisboa, Portugal, Lisboa, 2006, 319p, ISBN : 9789724731452

La traversée des mondes, Roman, Français
Les Éditions L'Interligne, Ottawa, 2011, 576p, ISBN 978-2-89699-392-5

Mots et marées, Roman, Français
Les Éditions L'Interligne, 2014, 560p, ISBN 978-2-89699-392-5.

De la racine des orages, Poésie, Français.
Les Éditions L'Interligne, 2014, 186p, ISBN 978-2-89699-404-5

Mots et marées tome 2, Roman, Français
Les Éditions L'Interligne, 2015, 186p, ISBN 978-2-89699-404-5

A Feather for Pumpkin, Fiction, English
Create Space, 2016, 186p,  ISBN-10: 1519662505, ISBN-13: 978-1519662507

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