Onde me zango por causa de tanto chinfrim à volta duma ministra da justiça
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Olha, zanguei-me! Todos nós nos zangamos, não é? Por razões diferentes, é verdade. É que por estes dias tem sido muito comentada, por tudo quanto é Facebook e afins, uma notícia anódina: os tugas nomearam uma mulher para a função de ministra da justiça. E depois? Como os outros, parece ser pessoa capacitada devido à sólida carreira, bagagem académica consistente e meritórias realizações profissionais. Diga-se que a vida nem sempre lhe sorriu. Há muitos anos, no país tropical onde nasceu, executaram-lhe irmão e cunhada. De abuso, acredita, nem sequer se deram ao trabalho de inventarem um julgamento. Como este dos 15+2 revus, que há quem diga que é de pimpa, mas pronto, salvaguardam-se as aparências. O tal casal fuzilado deixou filho órfão que a nova ministra educou e, perfecionista como parece ser, seguramente com esmero. Casou com um tuga jurista e lá em casa é fácil imaginar: trata-se por tu o código penal e o civil, decretos-leis, portarias, constituição... Enfim, tudo quanto é lei e (ou) o espírito dela. Ah! Dizem as más-línguas que é muito senhora do seu nariz e que não dá confiança aos subordinados. Será porque é mulher e, sendo-o, assenta autoridade com atitude autoritária a meio dum governo de machos?
Porque concordas comigo, não é: os tugas fazem fraca figura no que diz respeito à representação feminina no governo. Segundo um artigo do Expresso, em quarenta anos de democracia os machos apoderaram-se de 94% dos ministérios. Tsk, tsk, tsk... E as coisas não melhoraram muito com o último: só há quatro! Por aqui, em terras dos canucks é fifty-fifty. Já agora que falamos nisso... Perguntinha para ti: Qual é o país que tem mais ministras que ministros, hã? Qual é? Não sabes? É Cabo-Verde! Empata com a França. O que não é de admirar: francesas e caboverdianas são mulheres que não se deixam espezinhar sem reagir. Até havia uma que cantava descalça e ninguém lhe pisava o dedo grande do pé. Voilà... Estou a desviar-me do assunto, voltemos à minha zanga e às redes sociais.
Ao princípio não percebi muito bem a excitação que tal nomeação causava. Passava pelas fotografias da nova ministra, via-lhe cara, nome e cargo, e dizia cá para mim, «com esse currículo, é capaz de dar uma boa ministra da justiça, de acordo, mas porquê tanto chinfrim?» Até que comecei a ler comentários, respostas aos comentários, as infalíveis injúrias entre os comentadores...
Chateei-me!
Chateei-me!
Como dizia, não vi motivo para tanta confusão e, para desabafar, telefonei àquele meu amigo cáustico que se auto-intitula Rebenta-Balões porque é ateu, não acredita na humanidade e se aplica com esmero a destruir símbolos e heróis. Sei que é um erro telefonar-lhe, ele não fortalece a minha auto-estima mas enfim, é um vício falar com ele quando tenho dúvidas e estou deprimido ou zangado. Quando atendeu, insurgi-me logo com a euforia à solta, esse descomedimento de regozijo à volta da nomeação duma mulher ministra. Perguntei-lhe porquê. O safardana riu-se, babado de gozo:
– Eh, pá... Atão não se vê logo? Tá na cara, meu. É exactamente pela mesma razão que te levou a colocar na tua página facebook, em grandes parangonas, a fotografia da ministra da justiça do último governo canadiano. Estavas excitadinho como um deputado a quem aumentaram o ordenado só porque pela primeira vez uma ameríndia ocupava tal cargo! Vem tudo da tua overdose de politicamente correcto que...
– Bardamerda! - E desliguei-lhe na cara!
Mais chateado que nunca, voltei às fotos da ministra e outros ministros, observei-as atentamente, escrutinei-as à lupa, e confesso-te que havia algo de especial, de único, nesta ministra da justiça, qualquer coisa de inexplicável que me passava despercebida e que fazia dela um ser aparte. Enfim, ao ler as primeiras linhas dum resumo biográfico... Aleluia! Fez-se luz no meu espírito: Ela e eu festejamos os nossos aniversários no mesmo dia! Escorpião mulher do 5 de Novembro é um ser aparte! Só pode...
Aaaaah! Corruptos, ladrões de colarinho branco, assassinos, calhordas, ladrões de submarinos, biltres, cafajestes, banqueiros venais, arrombas, facínoras, proxenetas, díscolos de todos os azimutes... Aterrorizem-se! O impiedoso porrinho da lei vai abater-se sobre as vossas cabeças depravadas!
Dura lex sed lex.
Aaaaah! Corruptos, ladrões de colarinho branco, assassinos, calhordas, ladrões de submarinos, biltres, cafajestes, banqueiros venais, arrombas, facínoras, proxenetas, díscolos de todos os azimutes... Aterrorizem-se! O impiedoso porrinho da lei vai abater-se sobre as vossas cabeças depravadas!
Dura lex sed lex.
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© Carlos Taveira
LIVROS ASSINADOS PELO AUTOR DO BLOGUE
Mateus da Costa e os trilhos de Megumagee, Romance, Português,
Texto Editores, Lisboa, Portugal, Lisboa, 2006, 319p, ISBN : 9789724731452
La traversée des mondes, Roman, Français
Les Éditions L'Interligne, Ottawa, 2011, 576p, ISBN 978-2-89699-392-5
Mots et marées, Roman, Français
Les Éditions L'Interligne, 2014, 560p, ISBN 978-2-89699-392-5.
De la racine des orages, Poésie, Français.
Les Éditions L'Interligne, 2014, 186p, ISBN 978-2-89699-404-5
Mots et marées tome 2, Roman, Français
Les Éditions L'Interligne, 2015, 186p, ISBN 978-2-89699-404-5
A Feather for Pumpkin, Fiction, English
Create Space, 2016, 186p, ISBN-10: 1519662505, ISBN-13: 978-1519662507
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