Thursday 1 October 2015

Sê forte, bravo, humilde... e apavora-te!

Onde se fala duma preparação mental para bem votar nas próximas eleições
_______________________________________________________________

Olha, meu, por causa da campanha eleitoral passei muitas horas a escrutinar o Facebook em busca de inspiração. Fiquei boquiaberto! Afinal soluções para os males pessoais ou globais não faltam, denúncias também não. Converter uma pança num ventre chato? Eliminar colesterol e maus pensamentos? Ser positivo e feliz mesmo sendo pobre e asmático? Comunicar com Deus? Vencer o estado islâmico? Construir casas com garrafas vazias? Fazer arroz com água da chuva? Descascar um quivi com uma colher?

Está lá tudo...

E encontrei opiniões extremas! Por exemplo, alguém (sportinguista?) sugeria a decapitação do cretino que matou um leão velho. Estou para aqui a dar palpites, mas confesso que meti a minha colherada, lembro-me de ter postado a imagem dum índio sereno, emplumado, montado a cavalo, com os seguintes conselhos: «Sê forte na fraqueza; Sê bravo no medo; Sê humilde na vitória». Se ficaste com a ilusão que sou tudo aquilo, esquece, é mentira. Quando estou fraco não sou forte; quando vitorioso mostro uma evidente falsa modéstia; quando me amedronto não sou bravo.

Mas estava a falar de eleições que se desenrolam neste momento nos dois lados do Atlântico: no país que habito e no que deu à luz esta língua em que te escrevo. Num e noutro as facas voam rasteiras, há pontapés abaixo da cintura, e os candidatos injectam no eleitor alguns pavores, sendo o mais comum o Armagedão económico que os partidos adversos se preparam para desencadear. E eu fico com medo, por causa dos terrores judaico-islamo-cristãos que me foram inculcados quando era menino. O Armagedão apavora-me! Bombas atómicas cruzando os ares, cogumelos de fogo jorrando do chão, radiações letais varrendo o planeta, a agonia dos últimos humanos... Ainda por cima gosto deste planeta, sobretudo desde que descobri o sorvete de Coaticook, que me lembra os da Veneza. Se não conheces a Veneza é porque não és lobitanga. Nesse caso perdeste muitas coisas boas, como os pregos no pão do Espírito Santo e as ostras arrancadas às rochas do mar.

Voltemos à vaca fria: por quem votar? A primeira vez que tal coisa me aconteceu foi aqui, nesta terra de gelos e degelos. Nasci e vivi, até aos 32 anos, num país lindíssimo que tinha coqueiros mas não tinha eleições. Votei depois dos 35 anos pela primeira vez, quando obtive a cidadania aqui nos gelos. Por isso teimo em votar! Mas por quem? A política é coisa inexacta, há quem diga que é Arte, há quem diga que é Vigarice. E para me confundir ainda mais, há um curso universitário intitulado Ciências Políticas. A ciência deveria ser exacta, rigorosa: todos os cientistas estão de acordo que a fórmula do ácido sulfúrico é SO4H2 (sei porque é a fórmula dos cábulas). Consequentemente, fiquei francamente desiludido ao constatar que, ao abordarem crises económicas, as conclusões dos cientistas variam. Pior: dependem da posição política de cada um deles. Para complicar, documentam teorias partidárias antagónicas com exemplos, cálculos, gráficos e previsões. Quem tem razão?  Como sou de cérebro simples, peço aos políticos coisas simples. Não cortem nas pensões dos idosos, porque para lá vou. Mantenham os programas de saúde, para sermos saudáveis. Invistam no ensino, para que o povo seja instruído. Não  esfaqueiem a cultura, porque quero abichar uma subvenção para escrever um livro. Aquele meu amigo azedo, sarcástico, que por vezes aparece por aqui (com quem amuei depois da última discussão), aconselhou-me a calar o bico: «Viraste bloco de esquerda ou quê?» 

Na minha imaginação deficiente, os cientistas são batas brancas, óculos, mãos enluvadas a meio duma floresta de pipetas, retortas e frascos com líquidos coloridos a ferver, buscando fórmulas exactas. Por exemplo, a Islândia constituiria um banco de ensaio onde cientistas de lógica  fria analisariam um fenómeno  esotérico: como diabos fizeram eles para sair da entaladela económica? É  verdade que a Islândia é pequena, tem pouca gente, uma só estrada nacional que dá a volta a uma ilha populada por vikings que, sob um sol que pouco se põe, fazem sexo a torto e a direito. Estes exageros, porém, não deveriam desviar os pesquisadores da sua postura científica. Esperava-se deles a análise rigorosa dum prodígio único: a cobaia encontrou a saída do labirinto! Nada. Provam por A+B que atirar com políticos e banqueiros para os calabouços não resolve crises económicas. E como não falam dela, acabei por me esquecer da Islândia e ainda bem, é uma terra de anticristos a abarrotar de mulheres desavergonhadas que se calhar até me davam com os pés, como fizeram todas as outras.

Debrucemo-nos sobre o rato grego! Gandulos, hã? A viverem à grande e à francesa com o kumbu alemão, a beberem vinho, comerem oktapodi krasato, tocar rebetiko, dançar zeibekiko e a engatar turistas... E que é que lhes aconteceu, hã? Deitaram o χρήματα(*) pelas janelas fora, endividaram-se, arruinaram-se... E elegeram radicais de esquerda de dentuças afiadas, prontos para meterem as mãos nos bolsos do contribuinte alemão que, coitado, foi obrigado a fazer uma coisa contrária aos seus genes: uma vigarice na Volkswagen para enganar os ecologistas (verdes por fora, vermelhos por dentro, é sabido) e economizar na produção. A meu ver, que aprendi muito no Facebook, é tudo culpa dos helenos. Debrucemo-nos sobre a Grécia, meu, que aquilo dá-me terrores e pele de galinha, sentimentos mais produtivos que aquelas parvoíces de ser forte na fraqueza, bravo no medo e humilde na vitória.

Na sequência deste exercício de pesquisa, aperfeiçoei uma técnica para bem votar que partilho contigo. Sento-me na posição de lótus, fecho os olhos, esvazio o pensamento (oooommm), penso nos gregos e nos candidatos... E apavoro-me! Depois é simples: alimento a urna eleitoral com o corpo do candidato que mais me aterrorizou.

Apavoremo-nos para melhor votar!

._█_.
_(ツ)_
▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬
(*) Kumbu.
▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬
© Carlos Taveira


LIVROS ASSINADOS PELO AUTOR DO BLOGUE



Texto Editores, Lisboa, Portugal, Lisboa, 2006, 319p, ISBN : 9789724731452

La traversée des mondes, Roman, Français
Les Éditions L'Interligne, Ottawa, 2011, 576p, ISBN 978-2-89699-392-5

Mots et marées, Roman, Français
Les Éditions L'Interligne, 2014, 560p, ISBN 978-2-89699-392-5.

De la racine des orages, Poésie, Français.
Les Éditions L'Interligne, 2014, 186p, ISBN 978-2-89699-404-5

Mots et marées tome 2, Roman, Français
Les Éditions L'Interligne, 2015, 186p, ISBN 978-2-89699-404-5

A Feather for Pumpkin, Fiction, English
Create Space, 2016, 186p,  ISBN-10: 1519662505, ISBN-13: 978-1519662507

▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬